Para a imprensa
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O que andam falando:
Tem tudo para ser veneno de
bilheteria total: é em preto e branco, mudo e gaúcho
, ou seja sem atores conhecidos (embora Ilana Kaplan faça
teatro em São Paulo e seja meio cult, e a veterana Carmen
Silvia, que esta também em Mulheres Apaixonadas, faça
uma aparição encantadora como sempre). Mas alguém
iria ver um filme desses? Pois aí está a surpresa.
A Festa de Margarette (com dois tts) é muito curiosa, até
mesmo divertida e sem dúvida talentosa. Obra de um cineasta
gaúcho que eu desconhecia chamado Renato Falcão, que
fez além do roteiro e direção, também
a fotografia e montagem. E o ator central Hique Gomez, também
é autor da trilha musical (tudo indica que ela foi composta
antes e os atores a interpretaram em seu ritmo, ao menos é
o que parece).
Não sei muito bem porque
fazer o filme a não ser pela originalidade da experiência
mas o fato é que é muito bem sucedida, inclusive na
condução dos atores, que conseguem um equilíbrio
entre a mímica (ou seja expressão corporal visual)
sem cair nos exageros dos filmes mudos antigos, ou ao menos parte
deles.
O filme também sabe
ser curto (não ultrapassa os 80 minutos) e quando começa
a cansar, já acabou . A história é bastante
clara (e tudo é visual, não se usam letreiros explicativos
como sucedia no antigo cinema mudo). Numa casa de um único
cômodo, num arrabalde de Porto Alegre, vive uma grande família,
onde o pai é mágico por prazer e mecânico por
profissão. Quando é mandado embora do serviço,
esconde o fato da família porque quer dar uma boa festa de
aniversário para sua mulher Margarette. E num determinado
momento realidade e fantasia se misturam, num mundo não assim
tão onirico (mesmo quando ganha um bolão de dinheiro
tem que fugir da policia que mata friamente moleques de rua, enquanto
está de acordo com os corruptos pastores de uma Igreja Universal
do não sei o quê. Alias a primeira vez que vejo em
muito tempo um filme que tem coragem de denunciar a corrupção
dos pastores, com humor mas total franqueza ).
Embora a gente fique procurando
semelhanças com o mundo neo-realista de Vittorio De Sica
(Milagre em Milão), Fellini e Chaplin, a trilha musical (por
sinal, ótima) foge propositalmente do universo tanto de Nino
Rota quanto de Carlitos. Ou seja, a gente mergulha num outro universo
, intensamente pessoal, brasileiro, com timing perfeito de interpretação
e integração com a trilha musical. Esse senhor Falcão
parece ser um cineasta muito especial e que merece toda a atenção.
Na verdade, os gaúchos sempre fazem coisas interessantes.
Esta Margarette merecia ao menos virar cult. Experimentem.
Cine Ceará premia "Uma Vida em Segredo"
e o novo cinema gaúcho
...""A Festa
de Margarette", premiado pela trilha sonora de Hique Gomez
(do longevo espetáculo "Tangos & Tragédias")
causou sensação entre parte da crítica. Disputou,
voto a voto, com "Dois Verões", a condição
de melhor. Seus defensores encantaram-se com a ousadia de Renato
Falcão, brasileiro que vive há oito anos em Nova Iorque.
Afinal, ele concebeu seu filme de estréia com características
nada comerciais (em preto-e-branco e 100% mudo)."...
A magia do início do cinema
Humberto Pererira da Silva
Renato Falcão
é um dos nomes da chamada "retomada" do cinema
brasileiro dos 90. Aos 37 anos, esse brasileiro que estudou na New
York Film Academy e que se radicou nos Estados Unidos, tem realizado
trabalhos de destaque tanto em fotografia e montagem quanto na direção.
Levou o prêmio de melhor fotografia no Festival de Cine Alicante,
na Espanha, por "Heart of Gold", de Guido Jimenez; trabalhou
ainda como diretor de fotografia em "American Desi", filme
independente com boa acolhida na imprensa americana. Na direção,
Renato Falcão assina os curtas "Presságio"
e "Save-me" e os documentários "Sur-à-Sur"
sobre música brasileira, e"Um Ato de Amor à Vida",
sobre a campanha de prevenção à AIDS. Seu primeiro
longa é "A Festa de Margarette" (uma alusão
irônica à"Festa de Babette", do dinamarquês
Gabriel Axel), que teve lançamento mundial em Nova Iorque,
durante o Havana Film Festival – New York 2002, no qual foi
apresentado como um filme de vanguarda.
De fato, "A Festa
de Margarette" guarda duas peculiaridades: foi filmado em preto-e-branco
e sem diálogos. Falcão reproduz a estética
do cinema do início do século XX, e agrega ao filme
uma trilha sonora que intercala música pop de desfiles de
moda com clássicos do chorinho. Isso para contar a história
de Pedro, um operário meio mambembe, interpretado por Hique
Gomez (numa performance marcante), que divide um barraco de uma
só peça com outra família e sonha em realizar
uma grande festa de aniversário para sua esposa, Margarette.
Contudo, a realidade, voraz, acaba por alcançá-lo:
Pedro perde o emprego e passa a projetar o sonho de que as coisas
poderiam ser diferentes do que são. Esconde a verdade da
mulher, dos filhos e da sogra, graças a um crachá
de gerente de vendas que encontra na fábrica em que trabalhava.
Os acontecimentos em que se vê envolvido, então, oscilam
entre a realidade e a fantasia. À maneira de um Chaplin ou
de um Fellini, Falcão apresenta uma fábula sobre um
homem de sentimentos cândidos que, ao se defrontar com a rudeza
da realidade, busca refúgio numa realidade paralela. É
inegável que Falcão construiu um personagem modelado
em Carlitos e Cabíria. Como esses personagens imortais, Pedro
quer apenas ser feliz, ainda que a felicidade não passe de
ilusão.
Em "A Festa de Margarette"
Falcão se vale enormemente de seus conhecimentos em fotografia
cinematográfica e de sua aliança com Hique Gomez,
que também responde pela trilha sonora, para criar um filme
de rara beleza visual e de forte impacto emocional. As imagens em
preto-e-branco, obtidas pelo efeito do Fast Forward, os movimentos
de câmera e a glorificação de um anti-herói
que se expressa por gestos são elementos que ressaltam nessa
fábula sobre os infortúnios da felicidade. A ousada
proposta de Falcão apóia-se, com isso, no requinte
interpretativo e na trilha sonora. É através da beleza
sugestiva das imagens e da música que o espectador se mantém
atento à trama, sem que haja necessidade de qualquer diálogo
para esclarecer o que está acontecendo.
Do modo como é
constituído, "A Festa de Margarette" é o
tipo de filme que deixa no espectador imagens de forte impacto emotivo
e nostálgico. Há uma alegria triste, uma constante
evocação de um tempo puro, em que a beleza e a ternura
eram captadas por lentes generosas, uma vez que o cineasta podia,
simplesmente, brincar com a magia proporcionada pelas imagens. É
o que generosamente Méliès e E. S. Porter proporcionavam.
Mas, bem entendido, com "A Festa de Margarette" Falcão
está encarando um grande desafio: apostar em um cinema que
se aproxima de suas origens, um cinema cuja força expressiva
está, justamente, nas "sombras móveis",
para lembrar o título de um livro do crítico Luiz
Nazário. Nesse sentido, apresentar "A Festa de Margarette
como um filme de vanguarda é um contra-senso (o silêncio
vanguardista e experimental de "O Ilusionista", conccebido
no início dos 80 por Jos Stelling, escapa à formula
utilizada por Falcão). "A Festa de Margarette"
é muito mais uma brincadeira terna com elementos nostálgicos
que um experimento vanguardista com a linguagem cinematográfica.
O tempo, no filme de Renato Falcão, ficou congelado na magia
da primeira década do século passado.
"Festa de Margarette", o cinema mudo cheio de
boas surpresas
Verônica Solti
"Festa de Margarette"
é o verdadeiro cinema de autor. O primeiro longa-metragem
do diretor gaúcho Renato Falcão não tem diálogos,
foi filmado em preto e branco e rodado em 18 quadros por segundo,
o que lhe dá uma estética visual como a dos filmes
mudos produzidos em 1910. O diretor também produziu, fotografou,
roteirizou e montou o filme, liderando a produção
de forma artesanal, com uma equipe reduzidíssima, com no
máximo oito pessoas. O resultado tirou elogios da crítica
quando teve sua primeira apresentação pública
durante o CineCeará, em junho último. Entrará
em cartaz já em agosto no Rio Grande do Sul, estado que atualmente
produz e tem mercado exibidor. (veja crítica na seção
"Em Cartaz")
O filme tem uma história
como qualquer ficção, emociona e faz rir com as aspirações
e decepções de um povo marcado pela miséria.
Conta a história de Pedro (Hique Gomez), que sonha em realizar
uma grande festa de aniversário para sua mulher Margarette
(Ilana Kaplan). Pedro não tem dinheiro, é pobre e
vive numa casa modesta com a família, mas mesmo prestes a
ficar desempregado e com todas as dificuldades de uma vida sem dinheiro,
Pedro é capaz de transformar seu sonho em realidade de uma
forma surreal. Segundo o diretor Renato Falcão, a idéia
do filme surgiu em um sonho que teve há dez anos. No processo
de transformar o sonho num roteiro de longa-metragem, o diretor
foi fazendo descrições de cenas em que não
havia diálogos. "Aos poucos gostei da idéia de
fazer um filme totalmente sem diálogos, e comecei a procurar
soluções visuais para cada cena. A minha decisão
de fazer em P&B foi na realidade a mais difícil, eu sabia
que filmes sem cor eram considerados difíceis, junto ao público",
disse. Fazem parte também do elenco a saudosa Carmem Silva,
Jefferson Silveira e Isis de Medeiros.
Renato Falcão definiu
o projeto do longa conforme suas idéias foram brotando. "Eu
não estava em busca de um filme de estilo. A história
se impôs nesta direção e meu trabalho foi descobrir
como melhor filmá-la", completou Renato. Para fazer
o filme, antes de rodar, Renato fez uma decupagem detalhada de cada
cena, na qual todos os planos foram milimetricamente detalhados
para serem filmados. O filme foi rodado em 8 semanas. "Eu tive
o privilégio de trabalhar com um grupo dedicado de colaboradores.
Os atores, por não precisarem vir com os diálogos
decorados, chegavam ao set com uma disposição singular
para interpretar as cenas de forma visual. Ensaiávamos os
movimentos e expressões até chegar a uma forma visual
para expressar aquilo que estava descrito no roteiro", acrescentou
o diretor.
A trilha sonora (premiada no
festival CineCeará) é executada durante os 80 minutos
do filme, e tem um papel fundamental. Foi desenvolvida e composta
"fotograma a fotograma" por Hique Gomez , que também
é o ator principal do filme. Demorou um ano para que ficasse
pronta e a idéia era que a trilha substituísse os
diálogos. As músicas do filme o percorrem do início
ao fim, e são essencialmente brasileiras, como o chorinho.
Segundo Renato, o mais difícil foi estabelecer um constante
balanço entre o tradicional e o moderno, e o filme percorre
este caminho. "O surreal do filme nada mais é do que
algo que para uns é inatingível, ou algo a ser ignorado
por outros. Procuramos uma trilha sonora que representasse isso".
Renato Falcão filmou
em Super-16mm, depois ampliou para 35 mm. A montagem do filme foi
realizada em um Avid nos Estados Unidos, onde mora há dez
anos. O filme custou cerca de US$ 200 mil e foi realizado com seus
próprios recursos e o apoio financeiro de alguns investidores.
O longa "A Festa de Margarette" é uma celebração
dos sentidos, e aposta numa história sem diálogos
do início do século XXI onde se misturam sonho e realidade
com críticas ao sistema capitalista, à sociedade e
à exploração religiosa. Um filme moderno com
"cara" de século passado.
Coragem à moda antiga
Mudo e em preto-e-branco, o surpreendente longa 'A festa
de Margarette' disputa Candango em Brasília
Rodrigo Fonseca
Na era Cidade de Deus,
quando falar em cinema nacional implica discutir estéticas,
''cosméticas'' e atitudes, tanto éticas como anti-éticas,
fazer um filme mudo e em preto-e-branco, nos moldes das produções
do início do século 20, exige uma baita raça.
Pois, ao filmar com tais características o misto de comédia
e drama sociológico A festa de Margarette, um dos seis longas
de ficção que de terça-feira até o dia
26 estarão disputando um Candango no 35º Festival de
Brasília, o diretor gaúcho Renato Falcão, de
39 anos, não só provou que tem peito, como compôs
algo bem maior do que uma simples experimentação estilística.
Falcão fez uma pequena obra-prima. Daquelas que botam a platéia
para chorar e conseguem, ao mesmo tempo, fazer com que os críticos
e pesquisadores revejam os conceitos do que significa um marco artístico
quando se fala em cinematografia brasileira. Apesar disso, Falcão,
que rodou o longa em super 16, durante oito semanas, ao custo de
R$ 350 mil, não considera sua realização um
gesto contracorrente.
- A festa de Margarette
é apenas uma prova da diversidade da produção
brasileira. O país tem tradição de filmes inovadores.
É só lembrar Glauber Rocha - diz Falcão, em
entrevista, por telefone, de sua produtora, em Nova Jersey, nos
EUA.
Diretor de fotografia
e curta-metragista formado nos anos 90, Falcão não
fez um filmaço apenas por meio da ousadia formal que alude
ao cinema de Charles Chaplin. O mérito maior de A festa de
Margarette - que supre a ausência de diálogos por uma
trilha sonora de composições originais e adaptações
de grandes clássicos do choro brasileiro - vem da força
do lirismo que alimenta uma trama banal. Na história, que
será conferida em Brasília no dia 25, o desempregado
Pedro (vivido pelo ator e violinista Hique Gomez, criador do espetáculo
musical Tangos e tragédias, um hit do teatro gaúcho,
e autor da música do filme) quer dar a sua mulher, Margarette
(Ilana Kaplan), uma bela festa de aniversário.
Meios lhe faltam para
isso. Amor pela esposa, não. Então sai de sua casinha
no campo e vai para uma cidade grande (uma Porto Alegre que, por
não ser caracterizada como tal, pode simbolizar qualquer
metrópole nacional), correr atrás dos preparativos.
Mesmo sem dinheiro. O diretor lembra que esse argumento nasceu após
um sonho, e que, vê-lo filmado agora, tem o valor de uma consulta
a um psicólogo.
- Assistir ao filme é
como encarar uma sessão de análise. Há dez
anos, sonhei com um cara que queria fazer uma festa. Sentei e escrevi
umas quatro páginas sobre o sonho, relatando tudo sem fala
alguma, pois nunca fui um bom roteirista de diálogos. Quando
vi que aquilo dava um filme sem conversa entre os personagens, decidi
fazê-lo mudo, só com a trilha sonora - diz.
Na tela, o empenho apaixonado
de Pedro rende momentos hilariantes, como a tentativa de burlar
as cobranças do dono da venda local (Artur Pinto), o que
é percebido pelo espectador por meio de expressões
faciais em interpretação brilhante de Hique. Outro
destaque é a jornada de Pedro na cidade, onde testemunha
situações de violência e passa por uma aventura
quase lisérgica em uma loja, quando é tratado como
cliente especial, com direito a ver desfile de moda. Há ainda
a cena em que ele, em sua casa, diante dos membros mais pequerruchos
da família tenta tirar melodia de um conjunto de xícaras,
a única cena de som direto do filme. Chaplin puro, ainda
que a analogia assombre Hique, que, em cena, lembra Carlitos.
- Chaplin é uma
figura mitológica. Receava a comparação por
medo de parecer imitação barata de um deus do humor
- afirma o ator.
Com um certo sabor de
ingenuidade, a viagem de Pedro dá ao filme um tom doce, que,
ao longo de 80 minutos, vai mudando até descambar para uma
dolorosa reflexão sobre a impotência do homem diante
de uma realidade opressora. É o caso do desemprego. Por esse
aspecto, A festa de Margarette - que até dezembro estréia
em São Paulo e chega ao Rio no ano que vem - assume um quê
agridoce que o liga a questões fundamentais para se pensar
o país.
- Há muito do
inconsciente coletivo do Brasil no filme. A saga do homem que luta
para realizar seus objetivos, a sua ''festa'', lembra como o brasileiro
apela para a esperança para poder seguir adiante - afirma
Falcão.
A Panda Filmes release of a Filmik (Rio de Janeiro) production.
Produced by Regina Datria. Directed, written, edited by Renato Falcao.
Deborah Young
A silent movie harking
back to the dawn of cinema and the socially critical comedies of
Charlie Chaplin, "Margarette's Feast" cleverly uses just
pantomime and music (not even titles) to tell how the a penniless
husband manages to throw a wonderful birthday party for his beloved
wife. In his first feature, helmer/lenser Renato Falcao skillfully
mimics the underlit photography and cluttered frames of silent movies,
while updating the rhythm to modern tastes through editing and music.
Well-crafted specialty item could showcase in fests and film museums,
and makes a fine calling card for talented multi-hyphenate Falcao.
Most striking thing about the pic is how depressingly similar today's
Brazil is to the Little Tramp's universe. It's full of ruthless
cops, greedy shopkeepers, and a heartless world of wealth from which
the poor are forever excluded.
Wild-haired, wild-eyed
Pedro (played by actor-composer Hique Gomez, who also did film's
notable soundtrack) lives in a solitary shack out of town with wife
Margarette (Ilana Kaplan), kids, granny (Carmem Silva) and numerous
relatives. His job assembling cars comes to an abrupt end when his
homey company modernizes into a mechanized factory. But there's
an upside to being fired: the accountants hand him a suitcase full
of severance pay far beyond his dreams.
Wandering around town
with his stash like a babe in the woods, he's the target of sharpies
galore. When the police start chasing him, some friendly street
kids hide him in their underground sewer lair. He watches while
they're mercilessly gunned down by a death squad of plainclothes
cops. Horrified, he jumps into a taxi and ends up buying millionaires'
suits for himself and the driver (Pedro Gil), followed by dinner
in a fancy hotel for Margarette and his extended family. Like in
a dream, the cash never seems to run out.
Though ending brings
the tale back to reality, the point is clear enough: Brazil is a
land of rich and poor where the former are not above using violence,
corruption, and dirty tricks to stay on top of the latter. Pic's
allegorical structure brings this home humorously but forcefully.
Gomez, amusingly exaggerated
throughout, holds center stage with good support from the rest of
a game cast, among whom only the granny seems reasonably suspicious
about his new-found wealth. Gomez's varied and lively music is important
in contrasting and commenting on the images and giving the film
its springy step.
Havana Film Festival de Nova Iorque encerra com filme mudo
O Havana Film Festival
de Nova Iorque encerra na quarta-feira com a estreia mundial do
filme «A Festa de Margarette», uma película muda
e a preto e branco da autoria do cineasta brasileiro Renato Falcão.
A terceira edição
do festival, que teve início no dia 18 de Abril, pretende
dar a conhecer ao público nova-iorquino as melhores produções
do cinema latino-americano.
Este ano, o encontro
abriu com o filme Miel para Oshún do realizador
cubano Humberto Solás e encerra com a longa-metragem de Renato
Falcao, uma história terna e divertida, protagonizada pelo
actor e músico brasileiro Hique Gomez.
Gomez personifica Peter, um trabalhador modesto que, ironicamente,
depois de perder o seu emprego, quer oferecer uma grande festa à
sua esposa, Margarette.
Realidade e fantasia
misturam-se neste relato, que ao ser mudo e filmado a preto e branco
se assemelha a uma película do século XIX.
O VELHO QUE SE TRANSFORMA EM NOVO
Nelson Hoineff
ESPECIAL PARA O JB
SURGE UM NOTÁVEL FILME BRASILEIRO: MUDO E EM
PRETO-E-BRANCO
FORTALEZA - OS MéRITOS DE UM FILME PODEM MUITAS VEZES SER
AVALIADOS EM FUNÇÃO DE SUA HABILIDADE DE CONTAR UMA
HISTóRIA. Há MOMENTOS, NO ENTANTO, EM QUE A ORIGINALIDADE
DA CONCEPçãO ANTECEDE A PRóPRIA ESCOLHA DA
HISTóRIA A SER CONTADA.
É o caso de um notável filme brasileiro que teve sua
exibição pública no país durante o XII
Cine Ceará, que se encerra amanhã. O longa-metragem,
A festa de Margarette, tem a peculiaridade de ser mudo e em preto-e-branco,
reproduzindo a estética do cinema feito no início
do século. Mudo, mas não silencioso. Há uma
trilha sonora dirigida por Hique Gómez, que é composta
por músicas originais e adaptações de grandes
clássicos do choro brasileiro. Hique, para quem não
se lembra, é um dos integrantes do duo que há algum
tempo faz o excelente Tangos e Tragédias (o outro é
Nico Nicolaievsky). Em A festa de Margarette, além da música,
Hique faz o papel principal, um trabalhador que sonha em realizar
uma grande festa de aniversário para sua mulher, a despeito
das circunstâncias adversas - ele acaba de ser demitido do
emprego.
É um personagem emocionante, através de quem o filme
faz passar a perversidade de uma sociedade que tem mais de 20% de
sua força de trabalho desempregada, sem recorrer a clichês
e discursos de ocasião. Personagem que conduz uma história
extremamente bem narrada, capaz de envolver o espectador e por vezes
fazê-lo esquecer que está assistindo a um insólito
experimento formal.
Filmar como em 1910 é um desafio que poucos cineastas jovens
enfrentariam com sucesso. O diretor, Renato Falcão, é
um gaúcho que mora em Nova York e recrutou quase toda sua
equipe no teatro do Rio Grande do Sul. Fez o filme com pouquíssimo
dinheiro e sem incentivos, mas não é isso o que importa.
FILME DE RENATO FALCãO É O QUE O FESTIVAL
TEM DE MELHOR
‘A festa de Margarette’ foi filmado de modo artesanal,
com ótimos resultados
A FESTA DE MARGARETTE SERIA BRILHANTE SUBMETIDO A QUALQUER MECANISMO
DE PRODUÇÃO.
Falcão filma em 18 quadros por segundo (a velocidade em
que o filme corria na época do cinema mudo, contra os 24
quadros atuais) e com um rigor fotográfico dificílimo,
considerando as condições de luz muitíssimo
diferentes que existiam na época. Lidera um trabalho artesanal
modelar: além de dirigir e produzir, fotografou e montou
o filme. Em condições normais, isso seria rotineiro.
A partir de uma opção que exige uma atenção
tão especial com detalhes específicos - e um efetivo
entendimento do que eles representam - torna-se um feito extraordinário.
Hique impressiona como ator. Desde o Tangos e tragédias
sua expressão se parece com o personagem que faz. ''Nasceu
para fazer cinema mudo'', brinca Falcão em conversa de bar.
É um dos poucos atores do filme que tinham consciência
do que estavam fazendo. A imensa maioria, entre uma centena de coadjuvantes,
simplesmente entravam em cena sem conhecer o contexto. Seria difícil
fazer de outra maneira, já que na quase totalidade dos casos
faltaria aos intérpretes um referencial. Mas essa é
uma razão pela qual o trabalho de ator se destaca. A seu
modo, é um Emil Jannings de Porto Alegre.
A Festa de Margarette é sem dúvida a melhor das
surpresas que o Cine Ceará pôde oferecer aos seus espectadores.
O outro bom momento também veio de Porto Alegre, o divertido
Houve uma vez dois verões, primeiro longa de Jorge Furtado,
que ganhou notoriedade com seu melhor curta, Ilha das Flores, e
hoje faz parte do quadro da Globo.
Mas um filme mudo e em preto e branco está entre as últimas
coisas que alguém poderia ver num festival brasileiro de
cinema. Muito menos um filme que emocione, divirta, faça
rir e faça chorar. E, como se fosse pouco, presenteie ou
ouvidos com uma das melhores trilhas sonoras construídas
sobre o choro autêntico que o cinema brasileiro já
foi capaz de procurar.
Una clamorosa fiesta muda
JUAN FERNANDO MEDINO
Manhattan
El joven director brasileño Renato Falcão
realizó el estreno mundial de su largometraje mudo "La
Fiesta de Margarita" durante el reciente “Festival de
Cine de la Havana en Nueva York”.
¿Aceptaría usted, señor lector, asistir a
una fiesta en la cual los invitados jamás hablan, beben todo
el tiempo, no tienen nocines de urbanidad y están decididos
a gastarse hasta el último centavo con tal que la agasajada
no se aburra un sólo segundo de su cumplaños? Para
muchos tal vez sonaría a locura total. Para otros, puede
representar una ventana a otros mundos. Renato Falcão, joven
director brasileño, hace parte del segundo grupo pues ha
aceptado estas condiciones y realizado un largometraje que pretende
ser al mismo tiempo celebración, gozo para los sentidos y
una apuesta por una historia sin diálogos a comienzos del
siglo ventiuno con aires de cine mudo del comienzos del siglo veinte.
"La Fiesta de Margarita" es el nombre de esta producción,
ópera prima de un realizador varias veces premiado como director
de fotografía, que tuvo su estreno mundial durante el Festival
de Cine de la Havana en Nueva York, recibiendo elogiosos comentarios
por lo arriesgado y novedoso de la propuesta. Ambientada en sus
inicios en pleno Sertão brasileño, la historia sigue
los pasos de dos hermanos, miembros de una numerosa y muy humilde
familia, que intentan mantener a flote la devaluada economía
doméstica, haciendo gala de su instinto e imaginación.
Para Pedro, el hermano fantasioso e irreverente, es aun más
urgente el conseguir dinero pues se acerca el cumpleaños
de su esposa y quiere darle una enorme fiesta sorpresa. Empeñado
en este propósito Pedro emprende el éxodo del campo
a una gran ciudad logrando vincularse a una ensambladora automotriz.
En medio de su precaria condición laboral y económica,
la fantasía le permite irnaginar un destino exitoso, en el
que abundan la comida, la bebida y los placeres mundanos. El gran
obstáculo que se interpone es él mismo, pues no está
dispuesto a ser otra pieza del engranaje aceitada a gusto del operario
de turno. Lo que ignora Pedro es que esa rebelión le puede
llevar directo a la fila de desempleados.
Renato Falcão, director de "La Fiesta de Margarita"
se vale de sus conocimientos en el campo de la fotografía
cinematográfica y de su alianza con el protagonista, Hique
Gomez, a su vez responsable de la música, para crear una
fábula de nuevo siglo, con homenajes directos a clásicos
del cine mudo como "La Quimera de oro" y "El Gabinete
del Doctor Caligari". La sensación, reforzada con el
uso del blanco y negro, un efecto de Fast Forward digital y la glorificación
de un antihéroe que vence con ingenio los molinos de viento,
se rompe esporádicamente con la inclusión de escenas
en video que marcan los saltos de la fantasía a la cruda
realidad que asaltan al protagonista.
Poseedor de una habilidad visual que le permite ir narrando una
historia de vida asaltada por las encrucijadas del destino sin recqrrir
a diálogos, Falcão ha encarado un gran riesgo, máxime
en esta época en la que la fe del espectador se deposita
en las palabras que vienen de la pantalla y pasa por alto otros
elementos que pueden darnos pistas de sentimientos y comportamientos
de los protagonistas. Del riesgo sale bien librado, aunque un tanto
magullado, pues así como acierta con unas imágenes
poderosísimas que hablan del diario vivir de esos personajes
(como la bellísima escena del desayuno hecho en tarros y
el coro infantil de cucharas que dirige Pedro con los niños
de su hogar) en otras, es tanto el énfasis que seda a algunas
escenas para que todo quede claro, que se pierde la naturalidad
y encanto del primer segmento.
En cualquier caso es necesario aplaudir el esfuerzo de éste
joven director y esperar que su apuesta por un cine mas cercano
a sus orígenes, cuando la primacía de la historia
estaba a cargo de las imagenes, fecunde en nuevas producciones que
logren conmover al espectador como lo ha hecho de entrada con su
deliciosa "Fiesta de Margarita".
THE ROVING EYE:
SPRING FLING OF FILM FESTIVALS
TONY ZAZA
HAVANA FILM FESTIVAL NEW YORK 2002
..."Renato Falcao is a brave filmmaker from Brazil. In A
Festa de Margarette, he re-invents the silent film using the conventions
of silent film acting, extreme facial gesture and emotive body language,
mime and eloquent musical accompanyment to tell the fanciful tale
of Pedro who wants to fulfill the dream he has of giving his wife
a great birthday party. The portrait of aspirations and disillusionment
rendered in high contrast black and white that lends a Samuel Becket-like
abstraction to the work, needs no dialogue to convey its simple
message."...
...The work of masters like Mr. Solás and Mr. Subiela and
of emerging directors like Renato Falcão of Brazil will be
featured. Mr. Falcão's surreal "Margarette's Feast,"
a satire about a search for happiness even for one day, is a silent
film that will have its premiere at the festival on Wednesday.
The festival is "a journey from the classics to where we are
now," said Pedro Zurita, the festival's co-director and programming
director. "It's a crossover from the classic filmmakers to
the new generations and new technology."...
From the article:
A Cuban Filmmaker Gets His Voice Back
By MIREYA NAVARRO
Sonho gaúcho em Nova York
“A Festa de Margarette” é o primeiro
longa de Renato Falcão, diretor radicado nos EUA
XICO REIS
Correspondente/Nova York
O roteiro nasceu de um sonho, demorou 10 anos para chegar à
tela, mas, para Renato Falcão, a espera foi mais que compensadora.
Na noite de quarta-feira passada, os quase 300 espectadores reunidos
no Clearview Cinema, em Nova York, aplaudiram a projeção
de A Festa de Margarette, o longa-metragem de estréia do
cineasta.
A ousada proposta de Falcão – um filme em preto-e-branco,
sem diálogos ou legendas, em que situações
dramáticas ou cômicas apóiam-se apenas no trabalho
dos atores e na trilha sonora – estava sendo exibida pela
primeira vez, no Havana Film Festival New York, dedicado ao cinema
latino-americano.
Gaúcho de Passo Fundo, Falcão, 39 anos, radicado nos
Estados Unidos há nove, vive um prolongado caso de amor com
o cinema, desde a adolescência, quando, diz, “não
tinha a menor idéia de como usar uma câmera”.
Durante algum tempo, sem acesso a equipamentos, dedicou-se à
música, compondo trilhas para peças em Porto Alegre
e curtas-metragens. Mudou-se para Nova York depois que a mulher,
Regina, terapeuta ocupacional, recebeu uma proposta de trabalho
e, desde então, conseguiu fincar pé no competitivo
mercado norte-americano, assinando a fotografia de vários
filmes independentes, entre os quais American Desi, uma comédia
romântica sobre filhos de imigrantes indianos.
O primeiro longa de Falcão – embora tenha um tema de
compreensão universal, a busca da felicidade – é
uma produção essencialmente gaúcha. A Festa
de Margarette foi filmado em Porto Alegre e Gravataí, em
julho e agosto de 2000, com elenco gaúcho – Hique Gomez,
Ilana Kaplan e Carmen Silva nos papéis principais –
e dentro de padrões brasileiros: equipe reduzida, orçamento
idem, especialmente porque Falcão não conseguiu um
centavo dos cofres estatais. Com recursos próprios e a ajuda
de amigos, reuniu o dinheiro – ele ainda não concluiu
as contas, mas calcula ter gastado “menos de US$ 200 mil”.
A idéia do filme surgiu 10 anos atrás, em um sonho,
que Falcão anotou minuciosamente ao acordar. Pedro (Hique
Gomez), um operário que divide um barraco de uma só
peça com outra família, quer proporcionar à
mulher, Margarette (Ilana Kaplan), uma festa de aniversário,
mas não tem grana. Demitido, esconde a verdade da mulher,
dos filhos e da sogra (Carmen Silva), graças a um crachá
de gerente de vendas que encontra na fábrica em que trabalhava.
Daí em diante, as fantasias de Pedro viram delírio:
com a família e seus vizinhos, ele embarca numa “road
trip” em que devaneios misturam-se à realidade. Até
retornar a esta última, Pedro, que sequer tem como pagar
a conta do armazém, vive um milionário que distribui
dinheiro entre meninos de rua, janta nos melhores restaurantes e
organiza a festa de aniversário para a mulher.
O roteiro custou a passar do papel para o filme. Quando finalmente
Falcão o julgou pronto, deu-se conta de que não precisava
de diálogos. Para ele, é decorrência de sua
formação como diretor de fotografia, tanto que os
diálogos já estavam praticamente ausentes de seu primeiro
curta-metragem (Presságio, de 1993). Além de procurar
soluções visuais que eliminassem a necessidade de
legendas ou diálogos, Falcão amparou-se na formação
teatral dos atores e na trilha sonora – para a qual Hique
Gomez selecionou composições próprias e antigas
músicas esquecidas, como uma feita especialmente para a inauguração
do Cinema Guarany, em 1913.
Na semana passada, A Festa de Margarette foi apresentado pelo cineasta
cubano Humberto Solás, o homenageado deste ano no Havana
Film Festival. Solás (que, durante a apresentação,
referiu-se a Hique Gomez como “o mais brilhante ator de sua
geração no Brasil”) e Falcão conheceram-se
em 1994, no Festival de Huelva, na Espanha. O gaúcho diz
dever ao cubano boa parte da inspiração necessária
à realização do filme:
– Adorei o primeiro filme dele que vi, El Siglo de las Luces.
O cinema de Solás é muito simples, demonstra que é
possível desenvolver idéias interessantes com poucos
recursos.
Outras influências, segundo ele, foram os cineastas do movimento
neo-realista italiano e a poesia e o surrealismo de Federico Fellini.
Nos próximos meses, Falcão pretende dedicar-se por
inteiro à distribuição do filme. Quer vê-lo
exibido em outros festivais e também no Brasil, especialmente
em Porto Alegre, onde pode ser apresentado em julho. Quanto ao segundo
longa, vai ser preciso pensar com calma: há vários
projetos em pauta, mas o ideal seria um que voltasse a reuni-lo
com Hique Gomez e, claro, tivesse o Rio Grande do Sul novamente
como cenário.
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