Para a imprensa
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O que andam falando:

       Rubens Ewald Filho

      Tem tudo para ser veneno de bilheteria total: é em preto e branco, mudo e gaúcho , ou seja sem atores conhecidos (embora Ilana Kaplan faça teatro em São Paulo e seja meio cult, e a veterana Carmen Silvia, que esta também em Mulheres Apaixonadas, faça uma aparição encantadora como sempre). Mas alguém iria ver um filme desses? Pois aí está a surpresa. A Festa de Margarette (com dois tts) é muito curiosa, até mesmo divertida e sem dúvida talentosa. Obra de um cineasta gaúcho que eu desconhecia chamado Renato Falcão, que fez além do roteiro e direção, também a fotografia e montagem. E o ator central Hique Gomez, também é autor da trilha musical (tudo indica que ela foi composta antes e os atores a interpretaram em seu ritmo, ao menos é o que parece).

      Não sei muito bem porque fazer o filme a não ser pela originalidade da experiência mas o fato é que é muito bem sucedida, inclusive na condução dos atores, que conseguem um equilíbrio entre a mímica (ou seja expressão corporal visual) sem cair nos exageros dos filmes mudos antigos, ou ao menos parte deles.

      O filme também sabe ser curto (não ultrapassa os 80 minutos) e quando começa a cansar, já acabou . A história é bastante clara (e tudo é visual, não se usam letreiros explicativos como sucedia no antigo cinema mudo). Numa casa de um único cômodo, num arrabalde de Porto Alegre, vive uma grande família, onde o pai é mágico por prazer e mecânico por profissão. Quando é mandado embora do serviço, esconde o fato da família porque quer dar uma boa festa de aniversário para sua mulher Margarette. E num determinado momento realidade e fantasia se misturam, num mundo não assim tão onirico (mesmo quando ganha um bolão de dinheiro tem que fugir da policia que mata friamente moleques de rua, enquanto está de acordo com os corruptos pastores de uma Igreja Universal do não sei o quê. Alias a primeira vez que vejo em muito tempo um filme que tem coragem de denunciar a corrupção dos pastores, com humor mas total franqueza ).

      Embora a gente fique procurando semelhanças com o mundo neo-realista de Vittorio De Sica (Milagre em Milão), Fellini e Chaplin, a trilha musical (por sinal, ótima) foge propositalmente do universo tanto de Nino Rota quanto de Carlitos. Ou seja, a gente mergulha num outro universo , intensamente pessoal, brasileiro, com timing perfeito de interpretação e integração com a trilha musical. Esse senhor Falcão parece ser um cineasta muito especial e que merece toda a atenção. Na verdade, os gaúchos sempre fazem coisas interessantes. Esta Margarette merecia ao menos virar cult. Experimentem.

       UOL - Revista de Cinema - 14/2/03

Cine Ceará premia "Uma Vida em Segredo" e o novo cinema gaúcho

       ...""A Festa de Margarette", premiado pela trilha sonora de Hique Gomez (do longevo espetáculo "Tangos & Tragédias") causou sensação entre parte da crítica. Disputou, voto a voto, com "Dois Verões", a condição de melhor. Seus defensores encantaram-se com a ousadia de Renato Falcão, brasileiro que vive há oito anos em Nova Iorque. Afinal, ele concebeu seu filme de estréia com características nada comerciais (em preto-e-branco e 100% mudo)."...



A magia do início do cinema

Humberto Pererira da Silva

       Renato Falcão é um dos nomes da chamada "retomada" do cinema brasileiro dos 90. Aos 37 anos, esse brasileiro que estudou na New York Film Academy e que se radicou nos Estados Unidos, tem realizado trabalhos de destaque tanto em fotografia e montagem quanto na direção. Levou o prêmio de melhor fotografia no Festival de Cine Alicante, na Espanha, por "Heart of Gold", de Guido Jimenez; trabalhou ainda como diretor de fotografia em "American Desi", filme independente com boa acolhida na imprensa americana. Na direção, Renato Falcão assina os curtas "Presságio" e "Save-me" e os documentários "Sur-à-Sur" sobre música brasileira, e"Um Ato de Amor à Vida", sobre a campanha de prevenção à AIDS. Seu primeiro longa é "A Festa de Margarette" (uma alusão irônica à"Festa de Babette", do dinamarquês Gabriel Axel), que teve lançamento mundial em Nova Iorque, durante o Havana Film Festival – New York 2002, no qual foi apresentado como um filme de vanguarda.

        De fato, "A Festa de Margarette" guarda duas peculiaridades: foi filmado em preto-e-branco e sem diálogos. Falcão reproduz a estética do cinema do início do século XX, e agrega ao filme uma trilha sonora que intercala música pop de desfiles de moda com clássicos do chorinho. Isso para contar a história de Pedro, um operário meio mambembe, interpretado por Hique Gomez (numa performance marcante), que divide um barraco de uma só peça com outra família e sonha em realizar uma grande festa de aniversário para sua esposa, Margarette. Contudo, a realidade, voraz, acaba por alcançá-lo: Pedro perde o emprego e passa a projetar o sonho de que as coisas poderiam ser diferentes do que são. Esconde a verdade da mulher, dos filhos e da sogra, graças a um crachá de gerente de vendas que encontra na fábrica em que trabalhava. Os acontecimentos em que se vê envolvido, então, oscilam entre a realidade e a fantasia. À maneira de um Chaplin ou de um Fellini, Falcão apresenta uma fábula sobre um homem de sentimentos cândidos que, ao se defrontar com a rudeza da realidade, busca refúgio numa realidade paralela. É inegável que Falcão construiu um personagem modelado em Carlitos e Cabíria. Como esses personagens imortais, Pedro quer apenas ser feliz, ainda que a felicidade não passe de ilusão.

       Em "A Festa de Margarette" Falcão se vale enormemente de seus conhecimentos em fotografia cinematográfica e de sua aliança com Hique Gomez, que também responde pela trilha sonora, para criar um filme de rara beleza visual e de forte impacto emocional. As imagens em preto-e-branco, obtidas pelo efeito do Fast Forward, os movimentos de câmera e a glorificação de um anti-herói que se expressa por gestos são elementos que ressaltam nessa fábula sobre os infortúnios da felicidade. A ousada proposta de Falcão apóia-se, com isso, no requinte interpretativo e na trilha sonora. É através da beleza sugestiva das imagens e da música que o espectador se mantém atento à trama, sem que haja necessidade de qualquer diálogo para esclarecer o que está acontecendo.

       Do modo como é constituído, "A Festa de Margarette" é o tipo de filme que deixa no espectador imagens de forte impacto emotivo e nostálgico. Há uma alegria triste, uma constante evocação de um tempo puro, em que a beleza e a ternura eram captadas por lentes generosas, uma vez que o cineasta podia, simplesmente, brincar com a magia proporcionada pelas imagens. É o que generosamente Méliès e E. S. Porter proporcionavam. Mas, bem entendido, com "A Festa de Margarette" Falcão está encarando um grande desafio: apostar em um cinema que se aproxima de suas origens, um cinema cuja força expressiva está, justamente, nas "sombras móveis", para lembrar o título de um livro do crítico Luiz Nazário. Nesse sentido, apresentar "A Festa de Margarette como um filme de vanguarda é um contra-senso (o silêncio vanguardista e experimental de "O Ilusionista", conccebido no início dos 80 por Jos Stelling, escapa à formula utilizada por Falcão). "A Festa de Margarette" é muito mais uma brincadeira terna com elementos nostálgicos que um experimento vanguardista com a linguagem cinematográfica. O tempo, no filme de Renato Falcão, ficou congelado na magia da primeira década do século passado.

"Festa de Margarette", o cinema mudo cheio de boas surpresas
Verônica Solti

       "Festa de Margarette" é o verdadeiro cinema de autor. O primeiro longa-metragem do diretor gaúcho Renato Falcão não tem diálogos, foi filmado em preto e branco e rodado em 18 quadros por segundo, o que lhe dá uma estética visual como a dos filmes mudos produzidos em 1910. O diretor também produziu, fotografou, roteirizou e montou o filme, liderando a produção de forma artesanal, com uma equipe reduzidíssima, com no máximo oito pessoas. O resultado tirou elogios da crítica quando teve sua primeira apresentação pública durante o CineCeará, em junho último. Entrará em cartaz já em agosto no Rio Grande do Sul, estado que atualmente produz e tem mercado exibidor. (veja crítica na seção "Em Cartaz")

      O filme tem uma história como qualquer ficção, emociona e faz rir com as aspirações e decepções de um povo marcado pela miséria. Conta a história de Pedro (Hique Gomez), que sonha em realizar uma grande festa de aniversário para sua mulher Margarette (Ilana Kaplan). Pedro não tem dinheiro, é pobre e vive numa casa modesta com a família, mas mesmo prestes a ficar desempregado e com todas as dificuldades de uma vida sem dinheiro, Pedro é capaz de transformar seu sonho em realidade de uma forma surreal. Segundo o diretor Renato Falcão, a idéia do filme surgiu em um sonho que teve há dez anos. No processo de transformar o sonho num roteiro de longa-metragem, o diretor foi fazendo descrições de cenas em que não havia diálogos. "Aos poucos gostei da idéia de fazer um filme totalmente sem diálogos, e comecei a procurar soluções visuais para cada cena. A minha decisão de fazer em P&B foi na realidade a mais difícil, eu sabia que filmes sem cor eram considerados difíceis, junto ao público", disse. Fazem parte também do elenco a saudosa Carmem Silva, Jefferson Silveira e Isis de Medeiros.

      Renato Falcão definiu o projeto do longa conforme suas idéias foram brotando. "Eu não estava em busca de um filme de estilo. A história se impôs nesta direção e meu trabalho foi descobrir como melhor filmá-la", completou Renato. Para fazer o filme, antes de rodar, Renato fez uma decupagem detalhada de cada cena, na qual todos os planos foram milimetricamente detalhados para serem filmados. O filme foi rodado em 8 semanas. "Eu tive o privilégio de trabalhar com um grupo dedicado de colaboradores. Os atores, por não precisarem vir com os diálogos decorados, chegavam ao set com uma disposição singular para interpretar as cenas de forma visual. Ensaiávamos os movimentos e expressões até chegar a uma forma visual para expressar aquilo que estava descrito no roteiro", acrescentou o diretor.

      A trilha sonora (premiada no festival CineCeará) é executada durante os 80 minutos do filme, e tem um papel fundamental. Foi desenvolvida e composta "fotograma a fotograma" por Hique Gomez , que também é o ator principal do filme. Demorou um ano para que ficasse pronta e a idéia era que a trilha substituísse os diálogos. As músicas do filme o percorrem do início ao fim, e são essencialmente brasileiras, como o chorinho. Segundo Renato, o mais difícil foi estabelecer um constante balanço entre o tradicional e o moderno, e o filme percorre este caminho. "O surreal do filme nada mais é do que algo que para uns é inatingível, ou algo a ser ignorado por outros. Procuramos uma trilha sonora que representasse isso".

      Renato Falcão filmou em Super-16mm, depois ampliou para 35 mm. A montagem do filme foi realizada em um Avid nos Estados Unidos, onde mora há dez anos. O filme custou cerca de US$ 200 mil e foi realizado com seus próprios recursos e o apoio financeiro de alguns investidores. O longa "A Festa de Margarette" é uma celebração dos sentidos, e aposta numa história sem diálogos do início do século XXI onde se misturam sonho e realidade com críticas ao sistema capitalista, à sociedade e à exploração religiosa. Um filme moderno com "cara" de século passado.

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JB Online - 16/11/02

 Coragem à moda antiga

Mudo e em preto-e-branco, o surpreendente longa 'A festa de Margarette' disputa Candango em Brasília
Rodrigo Fonseca

       Na era Cidade de Deus, quando falar em cinema nacional implica discutir estéticas, ''cosméticas'' e atitudes, tanto éticas como anti-éticas, fazer um filme mudo e em preto-e-branco, nos moldes das produções do início do século 20, exige uma baita raça. Pois, ao filmar com tais características o misto de comédia e drama sociológico A festa de Margarette, um dos seis longas de ficção que de terça-feira até o dia 26 estarão disputando um Candango no 35º Festival de Brasília, o diretor gaúcho Renato Falcão, de 39 anos, não só provou que tem peito, como compôs algo bem maior do que uma simples experimentação estilística.
Falcão fez uma pequena obra-prima. Daquelas que botam a platéia para chorar e conseguem, ao mesmo tempo, fazer com que os críticos e pesquisadores revejam os conceitos do que significa um marco artístico quando se fala em cinematografia brasileira. Apesar disso, Falcão, que rodou o longa em super 16, durante oito semanas, ao custo de R$ 350 mil, não considera sua realização um gesto contracorrente.

       - A festa de Margarette é apenas uma prova da diversidade da produção brasileira. O país tem tradição de filmes inovadores. É só lembrar Glauber Rocha - diz Falcão, em entrevista, por telefone, de sua produtora, em Nova Jersey, nos EUA.

       Diretor de fotografia e curta-metragista formado nos anos 90, Falcão não fez um filmaço apenas por meio da ousadia formal que alude ao cinema de Charles Chaplin. O mérito maior de A festa de Margarette - que supre a ausência de diálogos por uma trilha sonora de composições originais e adaptações de grandes clássicos do choro brasileiro - vem da força do lirismo que alimenta uma trama banal. Na história, que será conferida em Brasília no dia 25, o desempregado Pedro (vivido pelo ator e violinista Hique Gomez, criador do espetáculo musical Tangos e tragédias, um hit do teatro gaúcho, e autor da música do filme) quer dar a sua mulher, Margarette (Ilana Kaplan), uma bela festa de aniversário.

       Meios lhe faltam para isso. Amor pela esposa, não. Então sai de sua casinha no campo e vai para uma cidade grande (uma Porto Alegre que, por não ser caracterizada como tal, pode simbolizar qualquer metrópole nacional), correr atrás dos preparativos. Mesmo sem dinheiro. O diretor lembra que esse argumento nasceu após um sonho, e que, vê-lo filmado agora, tem o valor de uma consulta a um psicólogo.

       - Assistir ao filme é como encarar uma sessão de análise. Há dez anos, sonhei com um cara que queria fazer uma festa. Sentei e escrevi umas quatro páginas sobre o sonho, relatando tudo sem fala alguma, pois nunca fui um bom roteirista de diálogos. Quando vi que aquilo dava um filme sem conversa entre os personagens, decidi fazê-lo mudo, só com a trilha sonora - diz.

       Na tela, o empenho apaixonado de Pedro rende momentos hilariantes, como a tentativa de burlar as cobranças do dono da venda local (Artur Pinto), o que é percebido pelo espectador por meio de expressões faciais em interpretação brilhante de Hique. Outro destaque é a jornada de Pedro na cidade, onde testemunha situações de violência e passa por uma aventura quase lisérgica em uma loja, quando é tratado como cliente especial, com direito a ver desfile de moda. Há ainda a cena em que ele, em sua casa, diante dos membros mais pequerruchos da família tenta tirar melodia de um conjunto de xícaras, a única cena de som direto do filme. Chaplin puro, ainda que a analogia assombre Hique, que, em cena, lembra Carlitos.

       - Chaplin é uma figura mitológica. Receava a comparação por medo de parecer imitação barata de um deus do humor - afirma o ator.

       Com um certo sabor de ingenuidade, a viagem de Pedro dá ao filme um tom doce, que, ao longo de 80 minutos, vai mudando até descambar para uma dolorosa reflexão sobre a impotência do homem diante de uma realidade opressora. É o caso do desemprego. Por esse aspecto, A festa de Margarette - que até dezembro estréia em São Paulo e chega ao Rio no ano que vem - assume um quê agridoce que o liga a questões fundamentais para se pensar o país.

       - Há muito do inconsciente coletivo do Brasil no filme. A saga do homem que luta para realizar seus objetivos, a sua ''festa'', lembra como o brasileiro apela para a esperança para poder seguir adiante - afirma Falcão.

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Variety.com - 30/10/02

A Panda Filmes release of a Filmik (Rio de Janeiro) production. Produced by Regina Datria. Directed, written, edited by Renato Falcao.
Deborah Young

       A silent movie harking back to the dawn of cinema and the socially critical comedies of Charlie Chaplin, "Margarette's Feast" cleverly uses just pantomime and music (not even titles) to tell how the a penniless husband manages to throw a wonderful birthday party for his beloved wife. In his first feature, helmer/lenser Renato Falcao skillfully mimics the underlit photography and cluttered frames of silent movies, while updating the rhythm to modern tastes through editing and music. Well-crafted specialty item could showcase in fests and film museums, and makes a fine calling card for talented multi-hyphenate Falcao.
Most striking thing about the pic is how depressingly similar today's Brazil is to the Little Tramp's universe. It's full of ruthless cops, greedy shopkeepers, and a heartless world of wealth from which the poor are forever excluded.

       Wild-haired, wild-eyed Pedro (played by actor-composer Hique Gomez, who also did film's notable soundtrack) lives in a solitary shack out of town with wife Margarette (Ilana Kaplan), kids, granny (Carmem Silva) and numerous relatives. His job assembling cars comes to an abrupt end when his homey company modernizes into a mechanized factory. But there's an upside to being fired: the accountants hand him a suitcase full of severance pay far beyond his dreams.

       Wandering around town with his stash like a babe in the woods, he's the target of sharpies galore. When the police start chasing him, some friendly street kids hide him in their underground sewer lair. He watches while they're mercilessly gunned down by a death squad of plainclothes cops. Horrified, he jumps into a taxi and ends up buying millionaires' suits for himself and the driver (Pedro Gil), followed by dinner in a fancy hotel for Margarette and his extended family. Like in a dream, the cash never seems to run out.

       Though ending brings the tale back to reality, the point is clear enough: Brazil is a land of rich and poor where the former are not above using violence, corruption, and dirty tricks to stay on top of the latter. Pic's allegorical structure brings this home humorously but forcefully.

       Gomez, amusingly exaggerated throughout, holds center stage with good support from the rest of a game cast, among whom only the granny seems reasonably suspicious about his new-found wealth. Gomez's varied and lively music is important in contrasting and commenting on the images and giving the film its springy step.

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Diário Digital - 24/4/02

Havana Film Festival de Nova Iorque encerra com filme mudo

       O Havana Film Festival de Nova Iorque encerra na quarta-feira com a estreia mundial do filme «A Festa de Margarette», uma película muda e a preto e branco da autoria do cineasta brasileiro Renato Falcão.

       A terceira edição do festival, que teve início no dia 18 de Abril, pretende dar a conhecer ao público nova-iorquino as melhores produções do cinema latino-americano.

       Este ano, o encontro abriu com o filme Miel para Oshún do realizador cubano Humberto Solás e encerra com a longa-metragem de Renato Falcao, uma história terna e divertida, protagonizada pelo actor e músico brasileiro Hique Gomez.
Gomez personifica Peter, um trabalhador modesto que, ironicamente, depois de perder o seu emprego, quer oferecer uma grande festa à sua esposa, Margarette.

        Realidade e fantasia misturam-se neste relato, que ao ser mudo e filmado a preto e branco se assemelha a uma película do século XIX.

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Jornal do Brasil

O VELHO QUE SE TRANSFORMA EM NOVO
Nelson Hoineff
ESPECIAL PARA O JB

SURGE UM NOTÁVEL FILME BRASILEIRO: MUDO E EM PRETO-E-BRANCO

FORTALEZA - OS MéRITOS DE UM FILME PODEM MUITAS VEZES SER AVALIADOS EM FUNÇÃO DE SUA HABILIDADE DE CONTAR UMA HISTóRIA. Há MOMENTOS, NO ENTANTO, EM QUE A ORIGINALIDADE DA CONCEPçãO ANTECEDE A PRóPRIA ESCOLHA DA HISTóRIA A SER CONTADA.

É o caso de um notável filme brasileiro que teve sua exibição pública no país durante o XII Cine Ceará, que se encerra amanhã. O longa-metragem, A festa de Margarette, tem a peculiaridade de ser mudo e em preto-e-branco, reproduzindo a estética do cinema feito no início do século. Mudo, mas não silencioso. Há uma trilha sonora dirigida por Hique Gómez, que é composta por músicas originais e adaptações de grandes clássicos do choro brasileiro. Hique, para quem não se lembra, é um dos integrantes do duo que há algum tempo faz o excelente Tangos e Tragédias (o outro é Nico Nicolaievsky). Em A festa de Margarette, além da música, Hique faz o papel principal, um trabalhador que sonha em realizar uma grande festa de aniversário para sua mulher, a despeito das circunstâncias adversas - ele acaba de ser demitido do emprego.

É um personagem emocionante, através de quem o filme faz passar a perversidade de uma sociedade que tem mais de 20% de sua força de trabalho desempregada, sem recorrer a clichês e discursos de ocasião. Personagem que conduz uma história extremamente bem narrada, capaz de envolver o espectador e por vezes fazê-lo esquecer que está assistindo a um insólito experimento formal.

Filmar como em 1910 é um desafio que poucos cineastas jovens enfrentariam com sucesso. O diretor, Renato Falcão, é um gaúcho que mora em Nova York e recrutou quase toda sua equipe no teatro do Rio Grande do Sul. Fez o filme com pouquíssimo dinheiro e sem incentivos, mas não é isso o que importa.

FILME DE RENATO FALCãO É O QUE O FESTIVAL TEM DE MELHOR
‘A festa de Margarette’ foi filmado de modo artesanal, com ótimos resultados

A FESTA DE MARGARETTE SERIA BRILHANTE SUBMETIDO A QUALQUER MECANISMO DE PRODUÇÃO.

Falcão filma em 18 quadros por segundo (a velocidade em que o filme corria na época do cinema mudo, contra os 24 quadros atuais) e com um rigor fotográfico dificílimo, considerando as condições de luz muitíssimo diferentes que existiam na época. Lidera um trabalho artesanal modelar: além de dirigir e produzir, fotografou e montou o filme. Em condições normais, isso seria rotineiro. A partir de uma opção que exige uma atenção tão especial com detalhes específicos - e um efetivo entendimento do que eles representam - torna-se um feito extraordinário.

Hique impressiona como ator. Desde o Tangos e tragédias sua expressão se parece com o personagem que faz. ''Nasceu para fazer cinema mudo'', brinca Falcão em conversa de bar. É um dos poucos atores do filme que tinham consciência do que estavam fazendo. A imensa maioria, entre uma centena de coadjuvantes, simplesmente entravam em cena sem conhecer o contexto. Seria difícil fazer de outra maneira, já que na quase totalidade dos casos faltaria aos intérpretes um referencial. Mas essa é uma razão pela qual o trabalho de ator se destaca. A seu modo, é um Emil Jannings de Porto Alegre.

A Festa de Margarette é sem dúvida a melhor das surpresas que o Cine Ceará pôde oferecer aos seus espectadores. O outro bom momento também veio de Porto Alegre, o divertido Houve uma vez dois verões, primeiro longa de Jorge Furtado, que ganhou notoriedade com seu melhor curta, Ilha das Flores, e hoje faz parte do quadro da Globo.

Mas um filme mudo e em preto e branco está entre as últimas coisas que alguém poderia ver num festival brasileiro de cinema. Muito menos um filme que emocione, divirta, faça rir e faça chorar. E, como se fosse pouco, presenteie ou ouvidos com uma das melhores trilhas sonoras construídas sobre o choro autêntico que o cinema brasileiro já foi capaz de procurar.

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La Prensa - 12/5/02

Una clamorosa fiesta muda
JUAN FERNANDO MEDINO
Manhattan

El joven director brasileño Renato Falcão realizó el estreno mundial de su largometraje mudo "La Fiesta de Margarita" durante el reciente “Festival de Cine de la Havana en Nueva York”.

¿Aceptaría usted, señor lector, asistir a una fiesta en la cual los invitados jamás hablan, beben todo el tiempo, no tienen nocines de urbanidad y están decididos a gastarse hasta el último centavo con tal que la agasajada no se aburra un sólo segundo de su cumplaños? Para muchos tal vez sonaría a locura total. Para otros, puede representar una ventana a otros mundos. Renato Falcão, joven director brasileño, hace parte del segundo grupo pues ha aceptado estas condiciones y realizado un largometraje que pretende ser al mismo tiempo celebración, gozo para los sentidos y una apuesta por una historia sin diálogos a comienzos del siglo ventiuno con aires de cine mudo del comienzos del siglo veinte.
"La Fiesta de Margarita" es el nombre de esta producción, ópera prima de un realizador varias veces premiado como director de fotografía, que tuvo su estreno mundial durante el Festival de Cine de la Havana en Nueva York, recibiendo elogiosos comentarios por lo arriesgado y novedoso de la propuesta. Ambientada en sus inicios en pleno Sertão brasileño, la historia sigue los pasos de dos hermanos, miembros de una numerosa y muy humilde familia, que intentan mantener a flote la devaluada economía doméstica, haciendo gala de su instinto e imaginación.

Para Pedro, el hermano fantasioso e irreverente, es aun más urgente el conseguir dinero pues se acerca el cumpleaños de su esposa y quiere darle una enorme fiesta sorpresa. Empeñado en este propósito Pedro emprende el éxodo del campo a una gran ciudad logrando vincularse a una ensambladora automotriz. En medio de su precaria condición laboral y económica, la fantasía le permite irnaginar un destino exitoso, en el que abundan la comida, la bebida y los placeres mundanos. El gran obstáculo que se interpone es él mismo, pues no está dispuesto a ser otra pieza del engranaje aceitada a gusto del operario de turno. Lo que ignora Pedro es que esa rebelión le puede llevar directo a la fila de desempleados.

Renato Falcão, director de "La Fiesta de Margarita" se vale de sus conocimientos en el campo de la fotografía cinematográfica y de su alianza con el protagonista, Hique Gomez, a su vez responsable de la música, para crear una fábula de nuevo siglo, con homenajes directos a clásicos del cine mudo como "La Quimera de oro" y "El Gabinete del Doctor Caligari". La sensación, reforzada con el uso del blanco y negro, un efecto de Fast Forward digital y la glorificación de un antihéroe que vence con ingenio los molinos de viento, se rompe esporádicamente con la inclusión de escenas en video que marcan los saltos de la fantasía a la cruda realidad que asaltan al protagonista.

Poseedor de una habilidad visual que le permite ir narrando una historia de vida asaltada por las encrucijadas del destino sin recqrrir a diálogos, Falcão ha encarado un gran riesgo, máxime en esta época en la que la fe del espectador se deposita en las palabras que vienen de la pantalla y pasa por alto otros elementos que pueden darnos pistas de sentimientos y comportamientos de los protagonistas. Del riesgo sale bien librado, aunque un tanto magullado, pues así como acierta con unas imágenes poderosísimas que hablan del diario vivir de esos personajes (como la bellísima escena del desayuno hecho en tarros y el coro infantil de cucharas que dirige Pedro con los niños de su hogar) en otras, es tanto el énfasis que seda a algunas escenas para que todo quede claro, que se pierde la naturalidad y encanto del primer segmento.

En cualquier caso es necesario aplaudir el esfuerzo de éste joven director y esperar que su apuesta por un cine mas cercano a sus orígenes, cuando la primacía de la historia estaba a cargo de las imagenes, fecunde en nuevas producciones que logren conmover al espectador como lo ha hecho de entrada con su deliciosa "Fiesta de Margarita".

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NY Arts

THE ROVING EYE:
SPRING FLING OF FILM FESTIVALS

TONY ZAZA

HAVANA FILM FESTIVAL NEW YORK 2002

..."Renato Falcao is a brave filmmaker from Brazil. In A Festa de Margarette, he re-invents the silent film using the conventions of silent film acting, extreme facial gesture and emotive body language, mime and eloquent musical accompanyment to tell the fanciful tale of Pedro who wants to fulfill the dream he has of giving his wife a great birthday party. The portrait of aspirations and disillusionment rendered in high contrast black and white that lends a Samuel Becket-like abstraction to the work, needs no dialogue to convey its simple message."...

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NY Times - 18/4/02

...The work of masters like Mr. Solás and Mr. Subiela and of emerging directors like Renato Falcão of Brazil will be featured. Mr. Falcão's surreal "Margarette's Feast," a satire about a search for happiness even for one day, is a silent film that will have its premiere at the festival on Wednesday.
The festival is "a journey from the classics to where we are now," said Pedro Zurita, the festival's co-director and programming director. "It's a crossover from the classic filmmakers to the new generations and new technology."...


From the article:
A Cuban Filmmaker Gets His Voice Back
By MIREYA NAVARRO

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Zero Hora - 29/4/02

Sonho gaúcho em Nova York

“A Festa de Margarette” é o primeiro longa de Renato Falcão, diretor radicado nos EUA
XICO REIS
Correspondente/Nova York


O roteiro nasceu de um sonho, demorou 10 anos para chegar à tela, mas, para Renato Falcão, a espera foi mais que compensadora.
Na noite de quarta-feira passada, os quase 300 espectadores reunidos no Clearview Cinema, em Nova York, aplaudiram a projeção de A Festa de Margarette, o longa-metragem de estréia do cineasta.
A ousada proposta de Falcão – um filme em preto-e-branco, sem diálogos ou legendas, em que situações dramáticas ou cômicas apóiam-se apenas no trabalho dos atores e na trilha sonora – estava sendo exibida pela primeira vez, no Havana Film Festival New York, dedicado ao cinema latino-americano.
Gaúcho de Passo Fundo, Falcão, 39 anos, radicado nos Estados Unidos há nove, vive um prolongado caso de amor com o cinema, desde a adolescência, quando, diz, “não tinha a menor idéia de como usar uma câmera”. Durante algum tempo, sem acesso a equipamentos, dedicou-se à música, compondo trilhas para peças em Porto Alegre e curtas-metragens. Mudou-se para Nova York depois que a mulher, Regina, terapeuta ocupacional, recebeu uma proposta de trabalho e, desde então, conseguiu fincar pé no competitivo mercado norte-americano, assinando a fotografia de vários filmes independentes, entre os quais American Desi, uma comédia romântica sobre filhos de imigrantes indianos.
O primeiro longa de Falcão – embora tenha um tema de compreensão universal, a busca da felicidade – é uma produção essencialmente gaúcha. A Festa de Margarette foi filmado em Porto Alegre e Gravataí, em julho e agosto de 2000, com elenco gaúcho – Hique Gomez, Ilana Kaplan e Carmen Silva nos papéis principais – e dentro de padrões brasileiros: equipe reduzida, orçamento idem, especialmente porque Falcão não conseguiu um centavo dos cofres estatais. Com recursos próprios e a ajuda de amigos, reuniu o dinheiro – ele ainda não concluiu as contas, mas calcula ter gastado “menos de US$ 200 mil”.
A idéia do filme surgiu 10 anos atrás, em um sonho, que Falcão anotou minuciosamente ao acordar. Pedro (Hique Gomez), um operário que divide um barraco de uma só peça com outra família, quer proporcionar à mulher, Margarette (Ilana Kaplan), uma festa de aniversário, mas não tem grana. Demitido, esconde a verdade da mulher, dos filhos e da sogra (Carmen Silva), graças a um crachá de gerente de vendas que encontra na fábrica em que trabalhava.
Daí em diante, as fantasias de Pedro viram delírio: com a família e seus vizinhos, ele embarca numa “road trip” em que devaneios misturam-se à realidade. Até retornar a esta última, Pedro, que sequer tem como pagar a conta do armazém, vive um milionário que distribui dinheiro entre meninos de rua, janta nos melhores restaurantes e organiza a festa de aniversário para a mulher.
O roteiro custou a passar do papel para o filme. Quando finalmente Falcão o julgou pronto, deu-se conta de que não precisava de diálogos. Para ele, é decorrência de sua formação como diretor de fotografia, tanto que os diálogos já estavam praticamente ausentes de seu primeiro curta-metragem (Presságio, de 1993). Além de procurar soluções visuais que eliminassem a necessidade de legendas ou diálogos, Falcão amparou-se na formação teatral dos atores e na trilha sonora – para a qual Hique Gomez selecionou composições próprias e antigas músicas esquecidas, como uma feita especialmente para a inauguração do Cinema Guarany, em 1913.
Na semana passada, A Festa de Margarette foi apresentado pelo cineasta cubano Humberto Solás, o homenageado deste ano no Havana Film Festival. Solás (que, durante a apresentação, referiu-se a Hique Gomez como “o mais brilhante ator de sua geração no Brasil”) e Falcão conheceram-se em 1994, no Festival de Huelva, na Espanha. O gaúcho diz dever ao cubano boa parte da inspiração necessária à realização do filme:
– Adorei o primeiro filme dele que vi, El Siglo de las Luces. O cinema de Solás é muito simples, demonstra que é possível desenvolver idéias interessantes com poucos recursos.
Outras influências, segundo ele, foram os cineastas do movimento neo-realista italiano e a poesia e o surrealismo de Federico Fellini.
Nos próximos meses, Falcão pretende dedicar-se por inteiro à distribuição do filme. Quer vê-lo exibido em outros festivais e também no Brasil, especialmente em Porto Alegre, onde pode ser apresentado em julho. Quanto ao segundo longa, vai ser preciso pensar com calma: há vários projetos em pauta, mas o ideal seria um que voltasse a reuni-lo com Hique Gomez e, claro, tivesse o Rio Grande do Sul novamente como cenário.

 
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